Disciplina Eclesiática: Um Assunto Fora de Moda

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Disciplina Eclesiática: Um Assunto Fora de Moda

Por Agnaldo Silva

O Rev. Valdeci da Silva Santos escreveu, e a revista teológica Fides Reformata publicou há alguns anos, o artigo “Disciplina na Igreja”, que foi fonte de estudos para um sermão que preguei nos tempos de Seminário. Assim inicia o texto: “Disciplina eclesiástica é um termo em risco de extinção no atual vocabulário cristão. Desde que os princípios do pós-modernismo encontraram lugar no seio da igreja, qualquer conceito que ameace o individualismo e a liberdade de escolha quanto ao estilo de vida, comportamento, etc., é logo taxado de arcaico, passé. A dicotomia prática de muitos cristãos gera a ilusão de que a igreja não tem nada a ver com o procedimento ‘secular’ de seus membros”.

A cada ano que passa, fica a impressão de que essas palavras do Rev. Valdeci, grifadas no exemplar da revista Fides Reformata que ainda conservo em minha estante, estão carregadas de uma verdade preocupante: a Igreja do nosso tempo não tem se preocupado tanto com o tema da disciplina eclesiástica. Seja pela maneira displicente como vivem muitos membros ou ainda pela leniência das lideranças, a realidade é que pouco se fala nesse assunto, e quase nada se pratica dele. Cada vez mais a vida das pessoas, inclusive membros das igrejas, tem se transformado ou se reduzido a um problema exclusivamente delas, não da igreja à qual pertencem. E muitas igrejas, sob a pressão do crescimento a qualquer custo, subtraem de seus púlpitos ou de sua práxis esse assunto.

A maior preocupação de muitos líderes evangélicos tem sido como manter as pessoas em suas comunidades. Para tanto, faz-se de tudo um pouco para que ninguém procure a porta de saída. Tudo é feito a fim de se manter as pessoas nas igrejas: cultos espetaculosos, louvores extravagantes, danças cheias de sensualidade “espiritual”, unção para tudo e todo tipo de situação, distribuições de amuletos, que vão do pó consagrado a toalhinhas benzidas em Israel, e até sorteio de brindes, entre outras invenções das mais grotescas. Fala-se de tudo, desde a solução de problemas conjugais, cancelamento de dívidas financeiras, curas de enfermidades, embelezamento físico ou tratamento “espiritual”, seja lá o que isto signifique, e por aí vai. Mas nada – ou quase nada – se fala sobre o pecado ou sua correção através da disciplina eclesiástica. Isto porque, na ótica de muitos, tudo na vida das pessoas se resume a problemas físicos, materiais ou, quando são espirituais, explicam-se pela presença dos “encostos” ou pelas macumbas, feitiçarias ou pragas rogadas.

Um dos graves problemas das igrejas de hoje é que muitas delas não se preocupam em formar membros comprometidos. Muitas igrejas estão cheias de adeptos, simpatizantes ou meros clientes. Eles precisam ser agradados, pois são consumidores da fé, admiradores do “evangelho” (ou de seus líderes). As pessoas precisam ser atraídas e precisam querer ficar na igreja. Por isso muitos líderes valem-se de todos os meios para atingir o fim de não perder a clientela.

“Nessa ‘nova era’ antropocêntrica, a igreja é vista como uma organização altamente dependente do indivíduo, e que precisa conservá-lo ao custo de várias exceções. O medo da impopularidade leva muitos líderes à cumplicidade e pecados são justificados em nome de uma atitude mais ‘humana’”, diz o Rev. Valdeci. Isto tem se refletido de maneira significativa no testemunho da igreja do nosso tempo. Ser evangélico, aos poucos, vai se tornando tão banal como ser católico em alguns contextos. A vida dos “crentes” fora das paredes do templo cada vez mais vai deixando de ser um problema da igreja ou de suas lideranças. E disciplina eclesiástica se transforma em um assunto fora de moda. Porém, como questiona o Rev. Valdeci, “o que acontece com uma igreja sem disciplina?”.

O tema da disciplina eclesiástica sempre esteve na pauta das preocupações da Igreja cristã. O apóstolo Paulo exortou a Igreja de Corinto quanto ao exercício da disciplina para o restabelecimento do pecador e a manutenção da pureza daquela comunidade (1 Co 5. 1 a 13); a Timóteo o apóstolo exortou quanto à repreensão “aos que vivem no pecado” (1 Tm 5. 20); aos gálatas Paulo instruiu acerca da correção caso “alguém for surpreendido nalguma falta” (Gl 6. 1). Na verdade o apóstolo orientou a Igreja baseando-se, antes de tudo, no ensino do próprio Jesus acerca do cuidado na repreensão dos faltosos (Mt 18. 15 a 20).

A Confissão de Fé de Westminster dedica um de seus capítulos (Capítulo XXX) para tratar acerca das Censuras Eclesiásticas, onde se lê:

I. O Senhor Jesus, como Rei e Cabeça da sua Igreja, nela instituiu um governo nas mãos dos oficiais dela; governo distinto da magistratura civil.

II. A esses oficiais estão entregues as chaves do Reino do Céu. Em virtude disso eles têm respectivamente o poder de reter ou remitir pecados; fechar esse reino a impenitentes, tanto pela palavra como pelas censuras; abri-lo aos pecadores penitentes, pelo ministério do Evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias o exigirem.

III. As censuras eclesiásticas são necessárias para chamar e ganhar para Cristo os irmãos ofensores para impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para purgar o velho fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a honra de Cristo e a santa profissão do Evangelho e para evitar a ira de Deus, a qual com justiça poderia cair sobre a Igreja, se ela permitisse que o pacto divino e os seios dele fossem profanados por ofensores notórios e obstinados.

IV. Para melhor conseguir estes fins, os oficiais da Igreja devem proceder na seguinte ordem, segundo a natureza do crime e demérito da pessoa: repreensão, suspensão do sacramento da Ceia do Senhor e exclusão da Igreja.

O objetivo da disciplina eclesiástica não é a mera punição de um membro, mas um exercício do amor da Igreja pelo faltoso e um gesto de exortação à comunidade. Nas Escrituras a disciplina sempre é apontada como um gesto de amor, mais que um gesto de punição (Hb 12. 4 a 13; Ap 3. 19), e uma necessidade para a manutenção da pureza do Corpo de Cristo (1 Co 5. 7). O propósito da disciplina eclesiástica é promover a saúde espiritual da igreja, assegurar a sua pureza diante do mundo, restabelecer os pecadores, lembrar aos membros da igreja o seu chamado á santidade e, principalmente, promover a glória de Deus.

Deus nunca poderá ser glorificado por uma igreja que não se preocupa com a conduta dos seus representantes na terra. Deus não poderá ser corretamente adorado por uma igreja que não corrige os que desobedecem à sua Palavra. Deus não poderá ser devidamente honrado por uma igreja displicente e negligente com a santidade e a pureza.

A igreja que não disciplina seus membros perde a capacidade de testemunhar verdadeira e convincentemente aos pecadores ao seu redor. “A igreja que negligencia o exercício desse mandato compromete não apenas sua eficiência espiritual, mas sua própria existência”, disse o Rev. Valdeci. Torna-se um sal que não salga, uma luz que não ilumina, uma noiva despreparada para as núpcias; torna-se uma vergonha, um opróbrio, ao ponto de ser pisada pelos incrédulos e ridicularizada pelos seus opositores.

Peço permissão para citar mais algumas palavras do Rev. Valdeci da Silva Santos para concluir este texto: “Uma igreja sem disciplina torna-se um empecilho para ao avanço do evangelho. Essa relação vital entre evangelismo e disciplina é clara à luz de 1 Co 5. 12 e 13. O evangelismo é dirigido aos que estão fora dos portões da igreja e que estão escravizados pelo pecado. A disciplina é dirigida àqueles que estão dentro dos portões da igreja e que estão se sujeitando ao domínio do pecado. Assim, ambos (evangelismo e disciplina) almejam a liberdade do pecador e a concretização do triunfo histórico da graça sobre o pecado na vida do mesmo. Uma igreja sem disciplina proclama uma liberdade desconhecida, ou rejeitada pelos seus próprios membros. Com,o diz Barnes, ‘há pouca vantagem em uma igreja que tenta vencer o mundo se ela já tem se rendido ao mundo’”.

Com autorização de

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