Pregação Expositiva e Aplicação
Por Mark Dever
Tradução: Filipe Niel
Outro dia me perguntaram sobre algo que percebi tenho sido freqüentemente questionado – quando você prega expositivamente, como você aplica o texto no sermão?
Primeiro, devemos notar que por trás desta pergunta, podem existir muitas suposições questionáveis. O questionador pode estar lembrando de sermões “expositivos” que ele tenha ouvido (ou talvez até pregado) os quais não foram diferentes de preleções bíblicas de faculdades ou seminários . Eles podem ter sido bem estruturados e corretos, mas neles não se percebe urgência piedosa, ou sabedoria pastoral.
Estes sermões expositivos podem ter tido pequena aplicação, se é que tiveram alguma. Por outro lado, o questionador pode estar simplesmente com uma compreensão errada do que é aplicação. Pode ter existido muita aplicação nos sermões em questão, mas ele pode simplesmente não as ter reconhecido.
William Perkins, o grande teólogo puritano do Século XVI em Cambridge, instruiu pregadores a imaginar os vários tipos de ouvintes que estariam ouvindo os seus sermões, e a pensar através de aplicações da verdade pregada para muitos tipos diferentes de pecadores com corações endurecidos, questionadores duvidosos, santos esgotados, jovens entusiasmados e a lista continua. Eu quero tratar esta questão de uma maneira um pouco diferente.
Muitos de nós que somos chamados para pregar a Palavra de Deus certamente já saberão disto, mas é útil nos lembrarmos de novo deste fato: Não existem apenas diferentes tipos de ouvintes, mas também existem diferentes tipos de aplicações sendo todas elas legitimamente consideradas aplicações.
Quando eu prego a Palavra, eu sou chamado a expor as Escrituras, a pegar uma passagem da Palavra de Deus e explicá-la de maneira clara, constrangedora e até urgente. Neste processo, existem pelo menos três tipos diferentes de aplicações que refletem três diferentes tipos de problemas que encontramos em nossa própria peregrinação cristã.
Primeiro, nós lutamos debaixo da praga da ignorância. Segundo, nós contendemos com a dúvida, muito mais do que percebemos inicialmente. E finalmente, nós pecamos seja diretamente através de atos desobedientes, ou através de negligência pecaminosa.
Nós desejamos ver estas três realidades mudadas em nós e em nossos ouvintes a cada vez que pregamos a Palavra de Deus. E cada uma destas realidades dá origem a um tipo diferente de aplicação legítima.
A ignorância é um problema fundamental em um mundo caído. Nós alienamos Deus de nossas vidas. Nós nos cortamos da comunhão direta com nosso Criador. Assim, não é de se estranhar que informar as pessoas sobre a verdade sobre Deus é por si só um poderoso e desesperadamente necessário tipo de aplicação. Isto não é uma desculpa para sermões frios ou impassíveis. Eu posso ser tão (ou mais) animado por uma afirmação indicativa quanto eu posso ser animado por uma ordem imperativa.
As ordens do evangelho para se arrepender e crer não significam nada se separadas das afirmações indicativas sobre Deus, nós mesmos e Cristo. Informação é vital. Somos chamados a pregar a verdade, a proclamar uma formidável mensagem sobre Deus. Nós queremos que as pessoas que ouvem nossas mensagens deixem de ser ignorantes e passem a conhecer a verdade. Este tipo de informação sincera é aplicação.
Dúvida é diferente de simples ignorância. Duvidamos, quando pegamos idéias e verdades que nos são familiares e as questionamos. Este tipo de questionamento não é raro entre Cristãos. De fato, dúvida pode muito bem ser um dos mais importantes problemas a ser atenciosamente explorado e inteiramente desafiado em nossas pregações.
Às vezes podemos imaginar que uma pequena apologia antes da conversão é o único momento em que nós pregadores precisamos tratar de dúvida diretamente, mas este não é o caso. Algumas pessoas que se sentaram e ouviram ao seu sermão Domingo passado, e que conheciam todos os fatos que você mencionou sobre Cristo, ou Deus, ou Onésimo, podem muito bem estar em um debate interno de se eles realmente crêem nestes fatos como verdadeiros.
Muitas vezes estas dúvidas nem são faladas. Nós podemos nem ficar sabendo delas. Mas quando começamos de modo perspicaz a considerar as Escrituras, nós encontramos questões, incertezas e hesitações, se demorando nas sombras, todas as quais nos deixam tristemente conhecedores da força gravitacional da dúvida, que lá de longe, está nos tirando do caminho fiel do peregrino. A estas pessoas, e talvez a estas partes de nossos próprios corações nós queremos defender e incitar à autenticidade da Palavra de Deus e a urgência de se crer nela. Somos chamados a incitar os ouvintes à autenticidade da palavra de Deus. Nós queremos que as pessoas que ouvem nossas mensagens mudem da dúvida para um coração cheio de crença na verdade.
Este tipo de pregação, urgente e minuciosa da verdade, é aplicação.
O pecado, também, é um problema neste mundo caído. Ignorância e dúvida podem ser elas mesmas pecados específicos, ou resultados de pecados específicos, ou nenhuma das duas coisas. Mas pecado é certamente mais do que negligência ou dúvida. Tenha certeza que as pessoas que estão ouvindo seus sermões terão lutado com desobediência a Deus na semana que acabou de terminar, e muito provavelmente irão lutar com desobediência a Deus na semana que eles estão apenas começando.
Os pecados serão vários. Alguns serão desobediência de ação, outros serão desobediência de inércia. Mas seja por comissão ou omissão, pecados são desobediência a Deus. Parte do que devemos fazer quando pregamos é desafiar o povo de Deus à santidade de vida que irá refletir a santidade do próprio Deus.
Então parte de nossa tarefa na aplicação da passagem das Escrituras deve ser extrair as implicações da passagem para as nossas ações nesta semana. Como pregadores somos chamados a exortar o povo de Deus à obediência à Sua Palavra. Queremos que as pessoas que ouvem nossas mensagens mudem de desobediência pecaminosa, para obediência alegre e contente a Deus, de acordo com a vontade dEle revelada na Sua Palavra. Este tipo de exortação à obediência é certamente aplicação.
A mensagem principal que precisamos aplicar todas as vezes que pregamos é o evangelho. Algumas pessoas ainda não conhecem as Boas Novas de Jesus Cristo. Algumas pessoas, até as que ouvem a sua pregação, podem ter se distraído, dormido, ou sonhado acordadas ou até não prestaram atenção. Elas precisam ser informadas sobre o evangelho. O Evangelho precisa ser dito a elas.
Outras podem ter ouvido, entendido, e talvez até ter aceitado a verdade de maneira genuína, mas agora se encontram lutando com dúvidas sobre o que você estava discursando (ou supondo) na sua mensagem. Estas pessoas precisam ser impelidas a crer na verdade das Boas Novas de Cristo.
Existem também os que podem ter ouvido e entendido, mas são devagar para se arrependerem de seus pecados. Eles podem até não duvidar da verdade que você está dizendo, eles podem simplesmente ser devagar para se arrependerem de seus pecados e se voltarem para Cristo. A estes ouvintes, a aplicação mais poderosa que você pode fazer é exortá-los a odiar os pecados deles e correr para Cristo. Em todos os nossos sermões, nós devemos buscar aplicar o evangelho informando, instando e exortando.
Um desafio comum que nós pregadores enfrentamos para aplicar a Palavra de Deus em nossos sermões é que algumas vezes aqueles que têm seus problemas principalmente em uma ou outra área pensarão que você não está aplicando as Escrituras em suas pregações, caso você não toque nos problemas particulares deles. Eles estão certos? Não necessariamente. Enquanto as suas pregações podem melhorar se você começar a falar sobre dúvidas mais vezes, ou de maneira mais completa, não é errado pregar aqueles que precisem ser informados, ou aos que precisem ser exortados a abandonar o pecado, mesmo que a pessoa que estiver falando com você não saiba desta necessidade.
Uma nota final, Provérbios 23.12 diz: “Aplica o coração ao ensino e os ouvidos às palavras do conhecimento.” Em traduções em inglês , parece que as palavras traduzidas como “aplique” na Bíblia quase sempre (talvez sempre?) não se referem ao trabalho do pregador (como a homilética nos ensina) e nem ao trabalho do Espírito Santo (como a Teologia Sistemática corretamente nos ensina), mas ao trabalho do que ouve a Palavra. Somos chamados a aplicar a palavra aos nossos próprios corações, e a nos aplicar neste trabalho.
Isso, talvez, seja a maior aplicação que nós possamos fazer no Domingo que vem para o benefício de todo o povo de Deus.
Do Livro: “As 9 Marcas de Uma Igreja Saudável”.