Perguntas ao Pr. Marcos Granconato

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Perguntas ao Pr. Marcos Granconato

Por Notícias

1. Se todos os homens já nascem culpados, é certo concluir que os bebês, quando morrem, estão condenados?

A questão da salvação de crianças muito pequenas e dos mentalmente incapazes tem gerado respostas diferentes no meio teológico. O pelagianismo acredita que elas estão salvas porque todo homem, como Adão no Éden, tem sua própria queda ao atingir uma certa idade e só então se torna culpado. Dentro da tradição reformada há quem entenda que todos os bebês que morrem são eleitos e há também aqueles que entendem que há alguns bebês eleitos e outros não. Calvino entendeu que todos já nascem culpados, mas que Deus salva alguns bebezinhos que morrem por um meio diferente daquele que usa para salvar os adultos, sendo certo que esse meio não nos foi revelado. Calvino entende que a justificação mediante a fé é a forma comum de Deus atuar no campo salvífico, mas que pode existir outro meio, contido em seus mistérios, pelo qual ele alcança os incapazes. Toda essa discussão demonstra que temos muito pouco (se é que temos!) material bíblico sobre esse assunto. Textos como Mateus 19.14 não ajudam muito porque parecem enfatizar mais a atitude interior das crianças do que sua idade (Mt 18.1-3). Além disso, à luz do contexto geral parece que Jesus se refere a crianças que têm fé nele (Mt 18.6) e não a bebezinhos. Também as palavras de Davi em 2Sm 12.23 só significam que ele iria para a sepultura, ou seja, o mesmo local em que seu filho seria posto. Davi não fala sobre o céu nesse texto, conforme pensam alguns. Portanto, essa é uma das questões que, se quisermos ser honestos diante dela, temos de dizer: “Eu não sei.”

2. É imprescindível a ida ao seminário para a formação pastoral? Qual é o papel da igreja na formação de vocacionados?

As exigências bíblicas para que um homem seja pastor estão listadas em 1Tm 3.1-7 e Tt 1.5-9. Obviamente elas não incluem a ida ao seminário. Por isso, o seminário é apenas uma opção. No meu entender é uma boa opção, pois oferece uma formação que a igreja geralmente não tem condições de dar. O ideal seria que a igreja formasse pastores. Para isso, porém, o evangelicalismo teria de mudar de face. Seria preciso que o meio evangélico deixasse de dar tanta ênfase a invenções e práticas vazias e se dedicasse a atividades mais produtivas em termos teológicos. A igreja que fizer isso poderá formar pastores de boa qualidade.

3. Como marido e esposa podem possuir o corpo um do outro em santidade e respeito?

Não há como marido e esposa se possuírem sem santidade. O leito conjugal é sem mácula (Hb.13.4). As relações fora dele (adultério, fornicação, etc.) é que são impuras. Essa pergunta, contudo, provavelmente se refere a formas não usuais de relação. A Bíblia não trata sobre esse assunto. O texto de Romanos 1.26, à luz de todo o contexto, certamente se refere ao lesbianismo. Por outro lado, o casal, na prática de suas carícias, deve observar valores como a boa higiene e a saúde corporal. Qualquer prática que despreze essas coisas revela desprezo pelo corpo e Deus não se agradará delas.

4. O liberalismo teológico moderno está infiltrado no fundamentalismo de alguma forma?

É claro que sim. Sempre que entramos em igrejas conservadoras ou em seminários de tradição reformada e ali vemos líderes dando explicações racionais para os milagres descritos na Bíblia estamos diante do velho liberalismo teológico infiltrado nas denominações tradicionais. A herança maior, porém, do liberalismo é o subjetivismo e a ênfase no sentimento como fator distintivo da religião. O pai do liberalismo teológico, Friedrich Schleiermacher, definiu religião como sentimento de dependência de Deus. O que ele quis dizer exatamente com isso é mais complexo do que a princípio parece e é impossível explicar no curto espaço de que dispomos. Seja como for, onde você encontrar a ênfase no sentimento individual acima do ensino objetivo da Bíblia, ali você estará diante de um dos principais elementos do liberalismo na sua forma inicial.
Em tempo: a palavra “fundamentalismo” não é muito adequada hoje em dia. Na verdade, com o tempo ela passou a designar inclusive pessoas de uma certa tendência escatológica, o que pode tornar o seu uso um pouco confuso. Talvez uma boa palavra para se referir à vertente que crê na Bíblia como inspirada por Deus, inerrante e infalível, seja “conservadorismo”. Pessoalmente, eu uso as expressões “ortodoxia” e “tradição reformada”.

5. Se as orientações bíblicas são supraculturais, como entender as determinações de a mulher manter-se calada na igreja e também usar véu? Temos de obedecer isso tudo hoje?

Muito cuidado! As diversas partes da Bíblia foram produzidas por homens inseridos em culturas específicas. Isso significa que há vários elementos dessas culturas presentes em seus escritos. O que afirmamos é que existem determinações na Bíblia que não estão lá por causa desses aspectos culturais. Estão lá porque são a vontade de Deus. São supraculturais. Para descobrir a diferença basta olhar as razões sobre as quais se funda uma ordem. Por exemplo: a ordem para a mulher não exercer autoridade na igreja (2Tm 2.11-12) se funda sobre a sequência da criação e a doutrina da Queda (2Tm 2.13-14). Essas bases não são culturais. São bases doutrinárias. Logo, a orientação vale para todos os lugares em todas as épocas. Já a orientação para não comer animal sufocado nem sangue (At 15.20) se funda em razões histórico-culturais. A proibição tinha em vista evitar que os judeus que estavam em todas as cidades, observando atentamente os crentes, escandalizassem-se com o modo de vida cristão e, tendo seus escrúpulos feridos, criassem uma barreira contra a pregação do evangelho (At 15.21). Esse quadro histórico-cultural desapareceu. Logo, não precisamos nos preocupar com a proibição de Atos 15, restando dela apenas o princípio de que devemos ser sensíveis ao que pode criar obstáculos ao anúncio da fé.
Já a questão do véu é mais complicada (1Co 11.3-16). Isso porque a determinação de Paulo nesse caso abrange um símbolo que no seu tempo era sinal de submissão (1Co 11.10). Naqueles dias, quando uma mulher usava véu, dizia com isso que estava sob a autoridade do marido. Nos nossos dias e no nosso país, o véu não simboliza isso. Aliás, na nossa cultura o véu não significa nada. Por isso, a saída que os homens preocupados em obedecer a Bíblia têm procurado é a busca de um “correspondente cultural”. Que a mulher deve ser submissa, nisso todos eles estão de acordo. O problema é como encontrar em nossa cultura um símbolo externo disso. Talvez a aliança de casamento sirva. Porém, se a aliança significa submissão, o homem não poderia usá-la. Assim, enquanto não encontramos uma solução, as opções têm sido duas: a mulher passa a usar véu, mesmo sem comunicar nada com isso às pessoas dos nossos dias (essa foi a opção tomada pela Igreja dos Irmãos ou Casa de Oração, denominação muito comum no Espírito Santo e no Rio de Janeiro); ou a mulher se mantém submissa sem nenhum símbolo disso por falta do correspondente cultural (opção da maioria dos cristãos). Pessoalmente vejo seriedade nas duas opções. Seja como for o símbolo não pode ser mais importante do que a realidade simbolizada, ou seja, a sujeição. Se o símbolo é meramente cultural, a realidade que ele simboliza não é (1Co 11.3) e, por isso, deve ser observada.

6. Por que o senhor disse nas palestras que não é recomendável que o crente busque ajuda profissional para os seus problemas emocionais? Se esses profissionais podem ajudar, qual o problema em procurá-los?

Eu não disse que os crentes não devem buscar ajuda profissional para seus problemas emocionais. Como pastor, muitas vezes encaminho pessoas que me procuram para psicólogos de minha confiança e juntos já conseguimos a “cura” de muita gente que precisava de tratamento pesado e acompanhamento médico.
O que eu disse é que há crentes que não sabem buscar na Palavra de Deus nenhuma gota de consolo. Se são reprovados numa prova ou se não conseguem comprar uma roupa nova já caem em depressão e vão fazer análise. Sei de crentes que quando recebem uma má notícia, imediatamente ligam para o psicólogo para marcar uma consulta e se envolvem num “tratamento” que a meu ver é desnecessário, considerando que a Palavra de Deus “é perfeita e restaura a alma” (Sl 19.7). E que dizer daqueles crentes que buscam nos “profissionais” orientações sobre como educar seus filhos, quando a Bíblia fornece tudo de que precisamos nessa área? De fato, há crentes para quem a Bíblia não tem qualquer força de consolo e auxílio. São pessoas que não crêem no seu poder restaurador e capacitador e confiam mais na ciência do que no Espírito Santo que, conforme ensinou Jesus, é o Conselheiro Supremo (Jo 14.16-17).
Essas pessoas não sabem lidar com os problemas da vida como crentes; não sabem buscar nele o alívio almejado e, assim, gastam rios de dinheiro em tratamentos que muitas vezes são incapazes de produzir aquele efeito maravilhoso que os que andam com Deus conhecem. Será que um psicólogo pode produzir em algum paciente a paz que excede a todo o entendimento, a paz que guarda o coração e a mente de que fala Paulo em Filipenses 4.6-7? Duvido muito. Aliás, quando a psicoterapia completou cem anos de existência muitos estudiosos se manifestaram questionando sua eficiência. Segundo eles, pessoas acometidas de fortes dores emocionais em virtude de luto, quando faziam “análise” se recuperavam no mesmo período de tempo daquelas que jamais haviam procurado um psicoterapeuta. Isso levava a crer que o tempo é que servia de remédio para os enlutados e não o tratamento com um psicólogo.
A meu ver, tudo isso significa que muita importância tem sido dada à psicologia e nenhum valor tem sido dado à Bíblia. Acredito que um equilíbrio maior deva ser abraçado pelos crentes. Não vamos jogar fora a psicologia que já se comprovou útil em muitos aspectos. Porém, ela não pode ocupar o lugar da Sagrada Escritura, do Espírito Santo e da oração na vida do crente. Acredito que o cristão pode manter o equilíbrio nessas coisas, buscando ajuda médica sim, mas somente nas áreas em que Deus deixou para a ciência cuidar.

7. Se a ‘Bíblia’ é a verdade, por que o senhor disse que ‘Provérbios 22.6’ não é garantia de que a criança ensinada nos caminhos de Deus vai permanecer neles até o fim?

Eu disse isso por uma razão hermenêutica e uma razão lógica. A razão hermenêutica é a seguinte: o livro de Provérbios não é um livro de promessas. Devemos levar isso em conta ao interpretá-lo. Os provérbios querem nos mostrar resultados comuns das nossas ações num universo moral. Neles vemos que certos procedimentos, na maior parte das vezes, trazem certas consequências. Porém, os provérbios não garantem essas consequências. Veja, por exemplo, Provérbios 30.17. Já pensou se isso fosse uma promessa? O que o autor (ou autores) de Provérbios querem, contudo, é dizer que uma conduta ruim, geralmente, traz consequências ruins; e uma conduta boa, geralmente, traz conseqüências boas. Ele não promete isso, mas mostra que é isso o que podemos esperar num universo regido também por leis morais. É assim que devemos entender Provérbios 22.6. Não há ali uma promessa, mas sim a descrição de uma grande possibilidade, como ocorre em todo o livro.
A segunda razão (menos relevante que a primeira), como eu disse, é lógica. Basta observar a realidade ao nosso redor. Existem pais que ensinaram corretamente seus filhos e, no entanto, um ou outro deles, apesar de receberem a mesma orientação, desviaram-se. Será que a Bíblia falhou? Não. Ela simplesmente nunca prometeu que toda a boa orientação sempre seria bem acolhida.

O texto abaixo consiste em respostas a 7 perguntas feitas ao Pr. Marcos Granconato no congresso “Falando ao coração” realizado Fortaleza (2006) (Autorizado)

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