Confissões Ministeriais
Por Horatius Bonar
Temos sido carnais e não espirituais. O tom de nossas vidas tem sido baixo e terreno. Tão associados e tão intimamente ligados com o mundo, temos nos acostumado as suas formas. Conseqüentemente, nosso gosto espiritual tem sido viciado, nossas consciências embotadas, e aquela sensível ternura de sentimentos tem se desgastado e dado lugar a uma porção de insensibilidade da qual outrora, em dias mais frescos, acreditávamos sermos incapazes.
Temos sido egoístas. Temos recuado diante do trabalho árduo, das dificuldades e das resistências. Temos nos importado apenas com nossas próprias vidas, bem-estar temporal e conforto tão preciosos para nós. Temos procurado agradar a nós mesmos. Temos sido mundanos e avarentos. Não temos nos apresentado diante de Deus como “sacrifícios vivos”, depositando a nós mesmos, nossas vidas, nossos bens, nosso tempo, nossa força, nossas faculdades, nosso tudo, sobre Seu altar. Parece que temos perdido completamente de vista este principio de alto sacrifício sobre o qual, mesmo como Cristãos, mas muito mais como ministros, somos chamados a agir. Temos tido pouca noção do que quer que venha a ser sacrifício. Podemos ter estado dispostos a ir até o ponto onde o sacrifício foi exigido, mas lá paramos; calculando desnecessariamente, talvez chamando-o imprudente e precipitadamente, para prosseguir adiante. No entanto, não deveria a vida de cada Cristão, especialmente de cada ministro, ser uma vida de total auto-sacrifício e autonegação, tal como era a vida dAquele que “não agradou a si mesmo”?
Temos sido negligentes. Temos estado poupando em nossos labores. Não temos suportado as privações como bons soldados de Cristo. Não temos procurado recolher as migalhas de nosso tempo, de forma que nenhum momento possa ser usado a toa ou desperdiçado em alguma atividade sem proveito. Preciosas horas e dias têm sido gastos na preguiça, em companhias inúteis, em prazeres, em leituras inúteis ou imprestáveis, que poderiam ter sido dedicadas ao closet1, ao estudo, ao púlpito ou a reunião! Indolência, auto-indulgência, inconstância, prazer carnal, tem devorado por dentro nosso ministério como se fosse um câncer, prendendo a benção e estragando nosso sucesso. Temos manifestado muito pouco daquele incansável, abnegado amor com o qual, como pastores, deveríamos ter assistido aos rebanhos que estão comprometidos ao nosso cuidado. Temos alimentado a nós mesmos, e não o rebanho. Temos tratado de forma desleal para com Deus, aquele do qual professamos ser servos.
Temos sido frios. Mesmo enquanto diligentes, quão pouco calor e ardor! A alma inteira não está derramada em seus deveres, conseqüentemente, se reveste tão freqüentemente do repulsivo ar de “rotina” e “formalidade”. Nós não falamos e agimos como homens de verdade. Nossas palavras são débeis, mesmo quando soam verdadeiras; nossos olhares são desatentos, mesmo quando nossas palavras são pesadas; e nosso tom denuncia a apatia na qual ambos, palavras e olhares, estão mascarados. O amor está em falta, o profundo amor, o amor forte como a morte, amor como o que fez Jeremias chorar em lugares secretos. Na pregação e nas visitas, em conselhos e repreensões, quão formais, quão frios, quão pouco carinho e afeto!
Temos sido tímidos. O medo tem, freqüentemente, nos levado a suavizar ou generalizar verdades, as quais, se declaradas abertamente, devem trazer ódio e censura sobre nós. Temos, assim, muitas vezes falhado em declarar ao nosso povo todo o conselho de Deus. Temos nos esquivado de repreender, reprovar e exortar com toda paciência e doutrina. Temos temido indispor amigos, ou despertar a ira dos inimigos.
Temos faltado em solenidade. Quão profundamente devemos ser humilhados por nossa leviandade, frivolidade, irreverência, alegria vã, conversas tolas e gracejos, pelos quais graves danos têm sido feitos as almas, retardando o progresso dos santos, e aprovando o mundo em suas vaidades infames.
Temos pregado a nós mesmos, não a Cristo. Temos buscado aplausos, cortejado a honra, sido avarentos por fama e ciumentos de nossas reputações. Temos pregado muitas vezes, de modo a exaltar a nós mesmos ao invés de magnificar a Cristo; de modo a atrair os olhos dos homens para nós mesmos ao invés de fixá-los sobre Ele e Sua cruz. Não temos por muitas vezes pregado a Cristo com o único propósito de obter honra para nós mesmos? Cristo, nos sofrimentos de Sua primeira vinda e na glória de Sua segunda, não tem sido o Alpha e o Omega, o primeiro e o último, de todos os nossos sermões.
Não temos estudado e honrado devidamente a Palavra de Deus. Temos dado maior proeminência aos escritos do homem, opiniões do homem e sistemas do homem em nossos estudos, do que à Palavra. Temos bebido mais das cisternas humanas do que da divina. Temos nos apegado mais a comunhão com o homem do que com Deus. Conseqüentemente, a forma e a moda de nossos espíritos, nossas vidas, nossas palavras, têm sido derivadas mais dos homens que de Deus. Devemos estudar mais a Bíblia. Devemos mergulhar nossas almas nela. Não devemos apenas colocá-la dentro de nós, mas fazê-la passar através de toda a estrutura da alma. O estudo da verdade em sua forma acadêmica mais que em sua forma devocional, rouba-a de seu frescor e poder, gerando formalidade e frieza.
Não temos sido homens de oração. O espírito de oração tem estado adormecido entre nós. O closet (“quarto reservado para oração” – N. do T.) tem sido tão pouco freqüentado e deleitável. Temos permitido que os negócios, estudo ou atividade laboral interfira em nossas horas no closet. Uma atmosfera febril tem encontrado seu caminho em nosso closet, perturbando a doce calma de sua abençoada solidão. Sono, empresa, visitas inúteis, conversas tolas e gracejos, leituras inúteis, ocupações sem proveito, gastando tempo com o que poderia ser separado para oração. Por que há tão pouco interesse em se tirar tempo para orar? Por que há tanto falatório, mas tão pouca oração? Por que há tanta correria pra lá e pra cá e, todavia, tão pouca oração? Por que há tanta agitação e negócios, porém tão pouca oração? Por que há tantos encontros com nossos semelhantes, mas tão poucos encontros com Deus? Por que tão poucos ficam sozinhos, tão pouca sede das almas por calma, doces horas de inquebrável solidão, quando Deus e Seu filho mantêm comunhão juntos, como se jamais pudessem se separar? É a falta destas horas solitárias que não somente fere nosso próprio crescimento na graça, mas nos faz membros improdutivos da igreja de Cristo, e que torna nossas vidas inúteis. Para crescermos na graça, precisamos muito de estar a sós com Deus. Não é na sociedade, mesmo na sociedade Cristã, que a alma cresce mais rápida e vigorosamente. Em uma única hora de oração silenciosa, elas freqüentemente farão mais progresso que em dias inteiros na companhia de outros. É no “deserto” que o orvalho cai mais fresco e o ar é mais puro. Assim também é com a alma. É quando ninguém, mas apenas Deus está perto; Quando somente a Sua presença, como o ar do deserto no qual não há mistura com a respiração nociva do homem, envolve e permeia a alma; é então que o olho recebe a mais clara e simples visão das certezas eternas; é então que se reúne na alma maravilhoso refrigério e poder e energia. Proximidade com Deus, comunhão com Deus, esperar em Deus, descansar em Deus, têm sido características tão pequenas em nossa caminhada, seja particular ou ministerial. Daí nosso exemplo estar sendo tão impotente, nossos labores tão fracassados, nossos sermões tão fracos2 e todo o nosso ministério tão infrutífero e medíocre.
Tradução por Nelson Ávila; publicado originalmente com o título “God´s Testimony Concerning Man”, na RPM Magazine, no site da Third Millennium Ministries:
http://old.thirdmill.org/magazine/current.asp/category/current/site/iiim