Introdução
O tema da presente monografia encerra uma das maiores necessidades da igreja moderna, a saber, a necessidade de um princípio fixo que regule os atos do culto prestado a Deus por seu povo.
Num tempo em que tão-somente o homem é o alvo de preocupação de diversos líderes religiosos, quando elaboram a ordem e a forma que o culto por eles ministrado deve tomar, mister se faz que recordemos a elementar verdade de que o culto cristão deve ser prestado ao Deus Trino, tendo como preocupação mais elevada agradar a ele só, assumindo, para isso, a forma que ele próprio estabeleceu na sua santa Palavra.
Infelizmente, é assustador como verdades tão elementares, tão óbvias quanto antigas, tenham se tornado objeto de descaso e até de ataque por parte dos incontáveis proponentes de um culto antropo-cêntrico que, para multiplicar adeptos, dispõe-se a sacrificar tudo o que incomode o homem e a trazer para a liturgia qualquer coisa que o entretenha.
Assim, em face de um quadro tão medonho, cujas cores se alastram com intensa velocidade atingindo até mesmo as denominações históricas antes conhecidas por seu cuidado nas questões ligadas ao culto, é fundamental que nos voltemos para o que foi conhecido entre os teólogos reformados como o Princípio Regulador do Culto.
Este trabalho terá, portanto, tal princípio como seu tema central. Formulando uma definição do que seja precisamente o Princípio Regulador, a monografia seguirá dando especial enfoque à sua necessidade e importância, bem como à solidez dos fundamentos teológicos sobre os quais foi construída a norma que deve reger todos os nossos atos de adoração.
Antes de tratar diretamente do tema principal, a monografia apresentará algumas informações históricas referentes à Confissão de Fé de Westminster que, em seu artigo XXI, deu forma definitiva ao princípio já constante, como veremos, dos escritos do próprio João Calvino.
A conclusão do trabalho constará de uma análise crítica da presente situação da igreja no tocante à forma de culto e, em meio a uma breve recapitulação, demonstrará a urgente necessidade atual da aplicação do antigo Princípio Regulador do Culto, marca das igrejas reformadas de outrora.
O método usado para a produção desta monografia foi a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias.
A Confissão De Westminster: Breve Histórico
Desde muito cedo, a igreja cristã desenvolveu a prática de formular
declarações de fé com o propósito de fixar o que deve ser considerado correto em matéria doutrinária. Nos tempos da Reforma, porém, quando o campo de controvérsia doutrinária se estendeu até o ponto de surgirem diferentes grupos eclesiásticos, essa prática tornou-se ainda mais acentuada, com as diversas igrejas protestantes apresentando o que criam ser a formulação correta acerca dos inúmeros artigos de fé. Foi nesse contexto que surgiu a confissão de que trata esta seção.
A Confissão de Fé de Westminster foi redigida por uma assembléia de teólogos reunida em Westminster por convocação do parlamento inglês, em 1643. O objetivo da referida assembléia era preparar um esquema de uniformidade da religião em face da então recente união entre Inglaterra e Escócia.
Concluída em 26 de novembro de 1646, a Confissão de Fé de Westminster, juntamente com outras formulações como a Forma de Governo da Igreja, o Diretório do Culto e os Catecismos Maior e Menor, forneceram a base para uma igreja presbiteriana unida nas duas partes do Reino Unido.
Apesar de o alvo da uniformidade ter sido frustrado com a restauração da monarquia dos Stuarts, em 1661, a qual restabeleceu o episcopado na Inglaterra, a Confissão de Westminster continuou sendo reconhecida como a principal norma subordinada da Igreja da Escócia e a formulação doutrinária mais amplamente aceita pelos presbiterianos da Inglaterra, Escócia e, mais tarde, dos Estados Unidos.
Nos dias modernos, a Confissão não ocupa mais o mesmo lugar no pensamento da igreja que ocupou no passado. Várias mudanças no seu texto têm sido propostas, inúmeros dos seus artigos têm sido rejeitados por um vasto número de teólogos e diferentes interpretações de algumas de suas afirmações têm sido apresentadas. De fato, até mesmo o ideal de uma nova confissão tem sido acalentado por pastores e líderes de destaque dentro da Igreja Presbiteriana ao redor do mundo.
Todas essas reações, porém, resultam de um princípio estabelecido pela própria Confissão, a saber, a verdade de que todos os sínodos e concílios podem errar (CFW XXXIII, 3) , estando suas formulações, portanto, sempre sujeitas a revisão e reforma. Isso ilustra o fato de que, tanto para aqueles que a aceitam como para os que a criticam, a Confissão de Fé de Westminster estabeleceu fundamentos preciosos para o desenvolvimento da teologia como tal, sendo esses fundamentos intocáveis como ponto de partida para o pensamento protestante nas suas mais diversas expressões.
Um outro exemplo de “fundamento intocável”, como o descrito acima, encontra-se, sem dúvida, no chamado Princípio Regulador do Culto, como será visto a seguir.
O Princípio Regulador Do Culto
Emana do Capítulo XXI da Confissão de Fé de Westminster, o que convencionou-se chamar de Princípio Regulador do Culto. O primeiro artigo do mencionado capítulo estabelece, in verbis:
A luz da natureza nos ensina que há um Deus, que exerce senhorio e soberania sobre tudo, que é bom e faz o bem a todos, e que por isso deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido de todo coração, e servido com toda a alma e com todas as forças; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus foi instituído por ele mesmo, e de tal modo determinado por sua vontade revelada, que não se deve adorar a Deus conforme as imaginações e invenções dos homens ou as sugestões de Satanás, sob alguma representação visível ou de outro modo que não seja o prescrito na Santa Escritura (A CONFISSÃO, 1994, p. 110).
A partir do artigo acima transcrito, e estendendo-se até o capítulo seguinte, a Confissão apresenta o dever do homem para com Deus exposto na primeira tábua da Lei de Moisés. Esse dever talvez possa ser resumido na palavra “culto” que, basicamente, denota a atitude e comportamento adequados diante da divindade, os quais são expressos em atos formais de veneração.
Conforme estabelece a Confissão, o dever de culto se fundamenta, inicialmente, na existência de um Deus soberano e bom, existência essa percebida graças à luz da natureza. Não basta, porém, ao homem, ter conhecimento do seu dever de adorar o Deus Soberano. É-lhe necessário também saber como adorá-lo. Ora, o conhecimento dessa matéria não advém da análise do universo criado, ma sim do que foi revelado pelo Espírito Santo na Sagrada Escritura, a qual, se for cuidadosamente observada, impedirá que o homem caia no erro e na superstição ao tentar adorar o Criador como melhor lhe convier.
É precisamente nesse ponto que a Confissão de Fé de Westminster oferece elementos para o enunciado do Princípio Regulador do Culto. Tal princípio deve ser formulado a partir do fato de que somente o verdadeiro Deus pode determinar o modo como importa ser adorado. Isso somado ao conceito cristão da Escritura possibilita a construção de um conceito objetivo daquilo que chamamos de Princípio Regulador, possível de ser detectado no texto da Confissão. A importância e base teológica desse princípio também devem ser consideradas.
Conceito
A expressão “princípio regulador do culto” denota a existência de um valor básico e imutável que deve ser protegido enquanto se realiza qualquer ato formal de adoração. A proteção desse valor implica a observância de uma norma geral que rege o culto e lhe dá forma. Esse preceito básico impõe limites ao adorador, impedindo-o de, levado pelos ditames de sua consciência depravada, apresentar diante de Deus qualquer coisa que não corresponda à sua natureza e vontade.
O valor básico e imutável a ser protegido no campo da adoração é o “direito” exclusivo de Deus de determinar o modo como deve ser cultuado. A regra básica que protege esse valor pode ser formulada da seguinte maneira: nada pode ser praticado durante o culto a Deus que não tenha sido expressamente estabelecido e determinado por ele próprio nas páginas da sua revelação escrita. É a essa regra básica que convencionou-se chamar “Princípio Regulador do Culto”.
Já em Calvino (1509-1564) é possível encontrar a adoção desse princípio. Nas suas Institutas, onde se insurge contra os abusos da igreja de seu tempo, o reformador ensina que somente a Deus compete estabelecer o modo como importa ser adorado. Diz ele:
De ter-se em mente, ademais, é que as superstições frequentemente se referem nestes termos, que são obras das mãos dos homens, e carecem da divina autoridade, para que seja isto estabelecido: que são abomináveis todas as formas de culto que os homens inventam de si próprios (CALVINO, 1985, vol. 1, p. 119).
Logo a seguir, Calvino escreve:
Deus, porém, para que a si vindique seu direito, se proclama ser zeloso e haver de ser severo vingador, se com qualquer deidade fictícia se mesclar. Então, para que lhe mantenha o gênero humano em obediência, define seu legítimo culto. A um e outro desses aspectos enfeixa em sua Lei, quando, primeiramente, a si adjudica os fiéis, a fim de ser-lhes o legislador único, depois, prescreve a regra segundo a qual seja devidamente cultuado, conforme seu alvedrio (CALVINO, 1985, vol. 1, p. 119).
Que Calvino via a Escritura como a fonte de informação acerca da maneira como deve realizar-se o culto fica claro a partir das citações acima e também do que ensina logo a seguir, ao enunciar que
mediante sua Lei, quis ele [Deus] prescrever aos homens que seja justo e reto e, destarte, adstringi-los a uma norma precisa, para que ninguém se permitisse forjar expressão cultual qualquer que seja (CALVINO, 1985, vol. 1, p. 119).
Assim, o Princípio Regulador do Culto, conforme ensinado por Calvino e, posteriormente, fixado pela Confissão de Fé de Westminster, pode ser conceituado como o preceito que reserva exclusivamente a Deus a liberdade e poder para determinar o modo como o seu culto deve ser realizado, sendo tais determinações reveladas de forma clara, detalhada e específica na Bíblia.
Esse princípio é o que separa os cristãos reformados de outros protestantes. Enquanto luteranos, anglicanos e evangélicos em geral ensinam que as igrejas podem fazer tudo o que a Palavra de Deus não proíbe expressamente, os reformados defendem que as igrejas podem fazer somente o que a Escritura ordena.
Importância
O culto cristão tem como uma de suas mais tocantes marcas a espontaneidade do adorador. O crente não cultua a Deus movido somente pelo dever. Ele o faz também porque tem prazer nisso. George S. Hendry lembra que “o culto que os cristãos oferecem a Deus, não somente como dever, mas como prazeroso privilégio, é uma resposta à experiência especificamente cristã da salvação” (HENDRY, 1965, p. 196). Assim, o culto cristão é um reflexo da consciência que o crente tem do que foi feito por Deus a seu favor.
Isso, por si só, embasa a afirmação de que a adoração cristã deve ser espontânea, alegre, sincera e livre de restrições estéreis, oriundas de tradições e costumes humanos. Contudo, a liberdade com que, movido pela gratidão, o crente deve cultuar a Deus não deve ser uma liberdade sem fronteiras. Uma liberdade assim descambaria na mais completa desordem, toleraria excessos por parte de pessoas inclinadas à indecência e daria ao adorador a suposta prerrogativa de servir o Deus santo por meio de atos que desconsiderassem a sua natureza, caráter e vontade.
Disso tudo se depreende a importância do reconhecimento de um princípio que, à luz da Escritura, regule os atos formais de busca, louvor e serviço a Deus. Ademais, a história eclesiástica corrobora a tese de que o princípio aqui tratado é de importância vital para a manutenção da própria pureza do cristianismo.
De fato, ao tempo em que a Confissão de Westminster foi elaborada, a maior expressão de culto inaceitável era encontrada na veneração de imagens, praticada especialmente na Igreja Católica Romana. O próprio texto da Confissão revela que esse era o desvio que os teólogos de Westminster tinham em mente quando deram forma clássica ao Princípio Regulador. De fato, assim se pronunciaram: “Não se deve adorar a Deus conforme as imaginações e invenções dos homens ou as sugestões de Satanás, sob alguma representação visível…” (A CONFISSÃO, 1994, p. 110). É, pois, evidente que, num primeiro momento, o Princípio Regulador foi ressaltado no afã de demonstrar a impiedade manifesta no culto das imagens.
Ocorre, porém, que aquela norma que impõe limites ao culto cristão revela-se preciosa não só como base sólida para a rejeição das imagens, mas também como um padrão fixo por meio do qual o crente pode medir qualquer prática ou costume que se insinue no culto a Deus ao longo dos séculos.
É, portanto, com o Princípio Regulador do culto em mente que o líder cristão moderno poderá considerar, por exemplo, se a coreografia ou outras formas de expressão corporal devem ou não ser aceitas no culto pelo qual ele é responsável. Por outro lado, a ausência de um princípio por meio do qual possam ser avaliadas práticas como a mencionada, deixará o ministro de Deus à mercê de sua própria consciência e sem força de argumentos para resistir à pressão de indivíduos que pretendem fazer do culto um mero período de descontração.
Não é, contudo, somente na esfera cultual que o Princípio Regulador do Culto mostra sua imensurável importância. Também nas diversas situações da vida, seja em família ou no desempenho de seus deveres de cidadão, a idéia que subjaz o Princípio Regulador, a saber, só é aceitável o que Deus requer, determinará, quando instalada na mente do crente, a forma como devem ser construídas suas convicções, bem como o modo como deverá agir.
- G. Hart e John R. Meuther escreveram um artigo no qual narram um episódio curioso na vida do eminente teólogo J. Gresham Machen (1881-1937). O artigo fala da oposição que ele sofreu por parte da Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos quando, em 1926, foi indicado para ocupar a cadeira de Apologética no Seminário de Princeton. Hart e Meuther chamam a atenção para o fato de que a resistência foi devido a Gresham Machen se ter posicionado contra uma resolução do Presbitério de Nova Jersey que endossava a Décima Oitava Emenda a qual, de 1919 a 1933, proibiu a venda, manufatura e transporte de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos.
Segundo o entender dos autores do referido artigo, Machen, na defesa de sua posição, baseava-se no Princípio Regulador, pelo qual o que é expressamente permitido por Deus nas Escrituras é aceitável. Ora, a Bíblia, ainda que condene a embriaguez, admite o uso de bebida alcoólica, não podendo, portanto, a igreja atar os crentes com as correntes da abstinência total quando o próprio Deus não o faz. A conclusão a que chega o artigo é que “o Princípio Regulador se aplica não somente à adoração, mas a todos os aspectos da vida e testemunho da igreja”.
Disso tudo decorre a importância do Princípio Regulador do Culto. Na sua falta, não somente o vício se insinua com facilidade no culto cristão, mas também outras áreas do viver ficam à mercê da falível consciência humana, a qual, quando não peca por fazer concessões demais, erra por impor jugos sobre os homens que ultrapassam aquilo que o Senhor requer de nós.
Fundamentos Teológicos
É do próprio Artigo primeiro do Capítulo XXI da Confissão de Fé de Westminster que constam os fundamentos teológicos do Princípio Regulador do Culto. Pode-se reduzi-los a três, a saber: o senhorio e soberania de Deus sobre tudo; o dever do homem de buscar, servir e adorar a Deus de forma aceitável; e o fato de Deus ter revelado sua vontade na Palavra.
A Confissão de Westminster declara que a luz da natureza revela a existência de um Deus soberano. De fato, a chamada revelação geral, a qual inclui em seus aspectos a própria consciência humana, aponta para a existência de um criador, preservador e benfeitor soberano (Sl 19.1-6; At 17.24-25; Rm 1.19-20) . Dessa mesma fonte se depreende que esse ser é o governador moral absoluto, a quem todos os seres pessoais devem temer e adorar, o que é testificado universalmente pelo pensar e agir de todas as nações em todas as épocas (At 17.23; Rm 2.14-15) .
Uma vez admitida a existência de um soberano Senhor, o dever de buscá-lo, servi-lo e adorá-lo de maneira que lhe seja aceitável é a verdade a que se chega com fácil e breve reflexão. A Escritura Sagrada é pródiga nas insistências de que o homem deve adorar a Deus, sendo-lhe devedor perpétuo de louvor, obediência e serviço, tudo isso feito com inteireza de coração e empenho absoluto da totalidade de suas forças (Sl 31.23; 150; Jr 10.7; Mt 22.37-38; Jo 4.24) .
Sendo Deus o Senhor soberano a que se deve honrar de maneira que lhe agrade, resta ao homem a tarefa de descobrir em que Deus se compraz quando está a ser cultuado e adorado. Ora, essa descoberta não pode ser feita quando o homem vasculha sua consciência, sua imaginação, suas inclinações pessoais ou mesmo o exemplo de povos, antigos ou contemporâneos, que seguiram os impulsos da criatividade humana para estabelecer suas cerimônias religiosas em honra à divindade. Por isso, sendo infinitamente misericordioso e não podendo deixar o homem à mercê de seus impulsos naturais numa matéria de tão elevada importância, o Senhor revelou-lhe em sua Palavra não somente seu caráter e obras, mas também sua vontade, a qual abrange determinações que devem ser observadas no culto de sua santíssima Pessoa.
O eminente teólogo Archibal Alexander Hodge, comentando esse ensino, escreve:
Pode haver sucedido que, no estado natural do homem e em suas relações morais com Deus antes da queda, sua razão natural, sua consciência e instinto religioso tenham sido suficientes para dirigi-lo nesse culto e serviço. Mas quando sua natureza moral se corrompeu, seu instinto religioso se perverteu e suas relações morais com Deus se transtornaram em razão do pecado, é evidente que se fez necessária uma revelação que não somente dissesse aos homens o que Deus admitiria no culto, mas que também prescrevesse os princípios e métodos debaixo dos quais tal serviço e adoração deveriam ser oferecidos (HODGE, 1987, p. 251. Tradução pessoal).
Assim, na Sagrada Escritura, a revelação a que se refere Hodge, aprendemos que o culto ao Deus verdadeiro não deve ser maculado com o uso de imagens de escultura (Ex 20.4-6) ; que tal culto se torna vão quando mesclado com ensinamentos que não passam de regras inventadas por homens (Mt 15.8-9; Cl 2.20-23) ; que o Deus trino é o alvo exclusivo da adoração, não podendo o louvor dos adoradores ser dirigido a nenhum outro (Mt 4.10) ; que o culto cristão dispensa o valor dado a templos de madeira e pedra (Jo 4.21-23) ; que a adoração deve partir do íntimo do indivíduo, sendo verdadeira e sincera (Jo 4.24) ; que o culto deve ocorrer num ambiente marcado por decência e ordem (1Co 14.40); que o crente que cultua deve ter a alma mergulhada em reverência e santo temor (Hb 12.28-29) ; e que o culto genuíno deve ser oferecido a Deus por meio de um mediador, o qual é Jesus Cristo (Ef 2.18; 1Tm 2.5) .
A totalidade dessas prescrições, como se vê, baseia-se na Sagrada Escritura, sendo todas elas, quando postas em prática, demonstrações notáveis da aplicação do Princípio Regulador do Culto contemplado nas páginas da Confissão de Fé de Westminster.
Conclusão
A igreja moderna não sofre em virtude da ausência de um princípio que informe o modo como o culto cristão deve ser realizado. Ela sofre, isto sim, com a aplicação de um princípio regulador equivocado.
O princípio regulador adotado pela maior parte das igrejas da modernidade, diferentemente do defendido pelos teólogos puritanos de Westminster, não se fundamenta na natureza de Deus, nem nas prescrições da Sagrada Escritura. Antes, foi construído a partir dos anseios do coração humano e sob os ditames das marcas culturais do presente século.
O novo princípio pode ser enunciado da seguinte maneira: todo ato de adoração deve ter como alvo central a promoção de sensações agradáveis no ser humano, sendo expressamente inaceitável qualquer gesto cultual que milite contra isso. Evidentemente, à luz desse novo princípio, a expectativa humana determina o formato do culto, dando-se especial atenção aos valores, práticas e apelos que o homem moderno considera interessantes e atraentes.
No mar de variedades que surge a partir desse modo de pensar, a única exigência que deve subjazer qualquer prática é a sinceridade. Assim, tudo que o adorador quiser realizar no culto a Deus lhe é permitido desde que o faça livre de hipocrisia. A sinceridade é assim o fator exclusivo que legitima qualquer prática cultual, segundo a atual visão antropocêntrica.
É urgente, portanto, que os homens de Deus, na direção de seus rebanhos, resgatem o antigo Princípio Regulador do Culto detectado na Bíblia pelos reformadores e pelos teólogos puritanos de Westminster. É preciso que apresentem ao povo o seu conceito que consiste na determinação de que nada pode ser praticado durante o culto a Deus que não tenha sido expressamente estabelecido e determinado por ele próprio nas páginas da sua revelação escrita.
Ademais, a importância desse princípio tanto para a avaliação do que deve ser admitido no culto como para a fixação de convicções acerca de inúmeros temas relativos à vida cristã deve ser demonstrado aos santos por intermédio do ensino doutrinário, da aplicação prática e da alusão a dados da história da igreja.
Também os fundamentos doutrinários do Princípio Regulador do Culto devem ser apontados como forma de mantê-lo firmado sobre sólidos alicerces. Tais fundamentos, reduzidos aqui a três (o senhorio e soberania de Deus sobre tudo; o dever do homem de buscar, servir e adorar a Deus de forma aceitável; e o fato de Deus ter revelado sua vontade na Palavra) precisam voltar a formar o tripé sobre o qual se sustenta não só o Princípio Regulador, mas toda a igreja em questões de fé e prática.
Resgatado o Princípio Regulador do Culto nos termos definidos em Westminster, talvez pouco espaço continue e existir na igreja para o uso tão comum de coreografias, homenagens a este ou aquele indivíduo (pastores, líderes, políticos, etc.), espontaneidade desregrada, apresentações humorísticas, supostos exorcismos e inúmeras outras práticas carentes de amparo bíblico.
O culto público é o meio pelo qual a igreja manifesta de forma mais notável o conteúdo da sua fé. É também o momento em que, reunida, oferece a Deus uma resposta àquilo que sabe que ele é e tem feito. Isso tudo faz do culto uma das facetas mais importantes do viver cristão. Não se pode, portanto, negligenciá-lo sem que se sofra imenso prejuízo. Por isso, o Princípio Regulador do Culto deve ser resgatado. Mantê-lo no esquecimento pode significar, talvez em curto prazo, a perda da própria identidade cristã.
__________
REFERÊNCIAS:
- A CONFISSÃO de Fé de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 1994.
- João. As institutas ou tratado da religião cristã. Vol 1. Traduzido por Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985.
- HART, D. G.; MEUTHER, John R. Gresham Machen e o Princípio Regulador. 2005. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/liturgia/principio_regulador_machen.htm. Acesso em: 11 maio 2023.
- George S. La Confessión de Fe de Westminster para el día de hoy. Traduzido para o espanhol por Jorge Lara-Braud. Bogotá, Colômbia: CCPAL, 1965. [Link para edição em inglês do livro].
- Archibal Alexander. Comentário de la Confesion de Fe de Westminster. Barcelona: CLIE, 1987.